Belinha acordou às seis, arrumou as crianças, 
levou-as para o colégio e voltou para casa a tempo de dar um beijo burocrático em Artur, 
o marido, e de trocarem cheques, 
afazeres e reclamações. 
Fez um supermercado rápido, 
brigou com a empregada que manchou seu vestido de seda, 
saiu como sempre apressada, 
levou uma multa por estar dirigindo com o celular no ouvido 
e uma advertência por estacionar em lugar proibido, 
enquanto ia, por um minuto, ao caixa automático tirar dinheiro. 
No caminho do trabalho batucava ansiedade no volante, 
num congestionamento monstro, 
e pensava quando teria tempo de fazer a unha e pintar o cabelo
 antes que se transformasse numa mulher grisalha. 
Chegando ao escritório, 
foi quase atropelada por uma gata escultural que, 
segundo soube, era a nova contratada da empresa para o cargo que ela, 
Belinha, fez de tudo para pegar, 
mas que, apesar do currículo excelente e de seus anos de experiência e dedicação, 
não conseguiu. 
Pensou se abdomem definido contaria ponto, 
mas logo esqueceu a gata, 
porque no meio de uma reunião ligaram do colégio de Clarinha, sua filha mais nova, 
dizendo que ela estava com dor de ouvido e febre. 
Tentou em vão achar o marido e, 
como não conseguiu, resolveu ela mesma ir até o colégio, 
depois do encontro com o novo cliente, 
que se revelou um chato, neurótico, desconfiado 
e com quem teria que lidar nos próximos meses. 
Saiu esbaforida e encontrou seu carro com pneu furado. 
Pensou em tudo que ainda ia ter que fazer 
antes de fechar os olhos e sonhar com um mundo melhor. 
Abandonou a droga do carro avariado, pegou um táxi e as crianças. 
Quando chegou em casa, 
descobriu que tinha deixado a  pasta com o relatório 
que precisava ler para o dia seguinte no escritório! 
Telefonou para o celular do marido com a esperança que ele pudesse pegar os papéis na empresa, mas continuava fora de área. 
Conseguiu, depois de vários telefonemas, que um motoboy lhe trouxesse os documentos. 
Tomou um banho, 
deu o jantar para as crianças, 
fez a os deveres com a crianças e os colocou para dormir. 
Artur chegou puto de uma reunião em São Paulo, reclamando de tudo. 
Jantaram em silêncio. 
Na cama ela leu metade do relatório e começou a cabecear de sono. 
Artur a acordou com vontade de transar. 
Como aqueles momentos estavam cada vez mais raros no casamento deles, ela resolveu fazer um último esforço e transar. 
Deram uma meio rápida,  e, 
quando estava quase pegando no sono de novo, 
sentiu uma apalpadinha no seu traseiro com o seguinte comentário:   
- Tá ficando com a bundinha mole, Belinha... 
deixa de preguiça e começa a se cuidar.. 
Belinha olhou para o abajur de metal 
e se imaginou martelando a cabeça de Artur 
até ver seus miolos espalhados pelo travesseiro! 
Depois se viu pulando sobre o tórax dele até quebrar todas as costelas! 
Com um alicate de unha arrancou um a um todos os seus dentes 
depois deu-lhe um chute tão brutal no saco, 
que voou espermatozóide para todos os lados! 
Em seguida usou a técnica que aprendeu num livro de auto-ajuda: 
como controlar as emoções negativas. 
Respirou três vezes profundamente, mentalizando a cor azul, e ponderou. 
Não ia valer a pena, não estamos nos EUA, 
não conseguiria uma advogada feminista caríssima 
que fizesse sua defesa alegando que assassinou o marido 
cega de tensão pré-menstrual...  
Resolveu agir com sabedoria. 
No dia seguinte, não levou as crianças ao colégio, 
não fez um supermercado rápido, 
nem brigou com a empregada. 
Foi para uma academia e malhou duas horas. 
De lá foi para o cabeleireiro pintar os cabelos de acaju 
e as unhas de vermelho. 
Ligou para o cliente novo insuportável e disse tudo que achava dele, 
da mulher dele e do projeto dele. 
E aguardou os resultados da sua péssima conduta, 
fazendo uma massagem estética que jura eliminar, 
em dez sessões, a gordura localizada. 
Enquanto se hospedava num spa, 
ouviu o marido desesperado tentar localiza-lá pelo celular 
e descobrir por que ela havia sumido. 
Pacientemente não atendeu. 
E, como vingança é um prato que se come frio, 
mandou um recado lacônico para a caixa postal dele. 
- A bunda ainda está mole. 
Só volto quando estiver dura. 
Um beijo da preguiçosa...
 
 
(Extraído do livro: Este sexo é feminino /Patrícia Travassos).